Há ao menos 10 Projetos de Lei no Congresso Nacional tratando o tema da Inteligência Artificial (IA), sendo o PL 2.338/23 o texto que tem aglutinado os demais e deve ser votado nas casas legislativas. Entretanto, sua redação tem um viés de contenção de danos, deixando pouco espaço para potencialização de ganhos, o que é uma abordagem limitada do fenômeno desencadeado pela IA.
A Inteligência Artificial está promovendo uma transformação econômica e social de magnitude comparável às revoluções industriais anteriores. Assim como a mecanização do trabalho na Primeira Revolução Industrial, a eletrificação na Segunda e a digitalização na Terceira, a IA está provocando uma nova disrupção na organização da sociedade.
Segundo uma pesquisa do Goldman Sachs, apenas ferramentas de IA generativa podem agregar até US$ 7 trilhões à economia global nos próximos 10 anos. Esse montante equivale aos atuais PIBs da Alemanha e da França somados.
Além desse potencial econômico, as tecnologias de Inteligência Artificial têm um papel estratégico, pois passam a ser a base sobre a qual as atividades sociais e econômicas ocorrem. Exemplos dessa relevância vêm tanto do setor privado, como a Nvidia, que se tornou a segunda empresa mais valiosa do mundo devido à produção de hardware necessário para IA, quanto do campo governamental.
O desenvolvimento da Inteligência Artificial está no centro da disputa geopolítica entre China e Estados Unidos, com ambas as nações implementando medidas para restringir o acesso à tecnologia. As duas maiores economias do mundo brigam pela liderança em IA porque entendem que quem dominar essa tecnologia terá ascendência sobre as outras nações.
Para além desses dois gigantes, outras nações têm agido para se posicionar bem nesta Quarta Revolução Industrial. Os países membros da União Europeia foram pioneiros em desenvolver uma regulação para o tema, buscando oferecer segurança para que a população confie nestas novas tecnologias e deseje usá-las. Parte dessa confiança vem da responsabilização dos agentes que usem os recursos tecnológicos da IA para aplicações prejudiciais.
Outro exemplo vem da Arábia Saudita, que implementa desde 2020 uma Estratégia Nacional de Dados e Inteligência Artificial, cujo objetivo é consolidar o país como um centro relevante de desenvolvimento sobre o tema. Seu plano se divide em fases, começando pela adoção e adaptação de tecnologias estrangeiras, seguido do desenvolvimento de aplicações nacionais, até consolidar um ecossistema de pesquisa e desenvolvimento de nível global. Os sauditas possuem cinco áreas prioritárias para o desenvolvimento em IA: saúde, mobilidade, energia, governo e educação.
Neste cenário, cabe ao Brasil desenvolver e implementar uma política nacional de desenvolvimento da inteligência artificial. Se nosso país se posicionar como mero consumidor de tecnologias estrangeiras, corre o risco de ficar à margem da geração de riqueza que o seu desenvolvimento já está gerando. Além disso, dominar a Inteligência Artificial é dominar a construção de visões de mundo no século XXI, com todos os seus reflexos diplomáticos, geopolíticos e sociais.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), 60% dos empregos mundiais estão expostos à substituição pela IA. Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial estima que serão gerados 69 milhões de empregos por conta da Inteligência Artificial, enquanto outros 83 milhões desaparecerão. Está claro que a distribuição dos empregos gerados e destruídos será desigual: países líderes em IA terão saldo positivo; países subdesenvolvidos terão saldo negativo.
A discussão de uma regulação do uso da Inteligência Artificial que vise evitar malefícios é importante, mas o poder público, os agentes privados e o terceiro setor devem estender a discussão para além disso. Para que o Brasil possa usar a revolução provocada pela IA para se tornar um país desenvolvido, é preciso uma estratégia nacional que atue nos pilares da educação (de base e profissional), no estímulo ao surgimento de empresas de base inovadora (as startups), no fomento ao desenvolvimento científico, no desenho de políticas sociais que cuidem de profissionais cujas áreas serão negativamente afetadas pela tecnologia, na infraestrutura para que haja capacidade computacional local para o desenvolvimento de aplicações, entre outros pontos.
Olhando em retrospectiva, podemos dizer que o Brasil foi um mero espectador da Primeira Revolução Industrial; conseguiu se desenvolver durante a Segunda; e performou abaixo da média, perdendo relevância durante a Terceira Revolução. Já estamos na Quarta Revolução, e esta é uma oportunidade para que o país realize sua profecia autoimposta de ser o país do futuro. Para isso, é preciso uma estratégia nacional construída por toda a sociedade.
Lucas Reis é pesquisador no INCT-DD, presidente da ABMP, vice-presidente de operações do IAB Brasil e fundador da Zygon. Com PhD em comunicação, atua também como executivo de nível C, professor, consultor e palestrante. Perito em desenvolver estratégias de marketing de alto impacto, Lucas é especialista em análise de dados, inteligência artificial e mídia programática | Linkedin: https://www.linkedin.com/in/lsreis/